sexta-feira, 29 de outubro de 2010

peguei uma entrevista muito bacana com elisa gargiulo confere aiw!!!!!!!!!!!!!!!!

24 de Agosto de 2006
Coloquei o gravador que peguei emprestado, quatro pilhas e uma fita dentro da mochila e rumei para o metrô sabendo que iria cabular aula para fazer a primeira entrevista do zine Healing Gun, que era para ser um fanzine sobre música underground que acabou não dando certo porque na época os idealizadores (eu, minha namorada e o ex-guitarrista da minha ex-banda) estavam completamente quebrados.
Muitas coisas mudaram no Dominatrix desde então como a saída da Mayra e Flávia (baixista e guitarrista) e a entrada de Josy e Andressa. O Dominatrix hoje já tem músicas em português como 'Vai lá' e 'Mães, filhas e irmãs'. Ainda sim, seria uma pena que ninguém chegasse a ler essa entrevista por isso achamos legal deixar disponível para quem quiser dar uma checada em como estavam as coisas naquele tempo.

Entrevista feita por Renato de Azevedo Lopes
(Kenny Lopes)

Por volta das 19:30 toquei a campainha. 'Oi... por favor... A Elisa?'. 'Espera só um pouquinho'. E tão logo, estava eu sentado com a vocalista e guitarrista da banda Dominatrix em um bar/pizzaria com uma garrafa de cerveja pra começarmos a entrevista. Eu coloco o gravador encima da mesa, peço outra cerveja e digo 'Então? Vamos começar?'

TV Rock: Quando você começou a se ligar que o mundo era injusto pra mulheres? Que tinha isso de menino pode menina não?
Elisa: Então acho que pra mim, como eu tenho um irmão mais velho, as coisas começaram em casa mesmo. Quando começou uma separação de gênero, ele podia coisas e eu não podia, eu tinha uns 7 anos. Dizia 'Pai, eu quero fazer tal coisa' e ele dizia 'Não pode porque é de homem' e eu comecei a achar esquisito, pensava 'Gente, mas eu consigo fazer! Por que não pode?'. E tinha essa idéia de 'O homem sustenta a casa, o homem sustenta a casa.' Só que era minha mãe que estava sustentando, então eu estava achando tudo muito estranho. Foi a partir dai que eu comecei a perceber que tinha alguma coisa muito errada com o mundo em geral.

TV Rock: E como que você começou a se interessar por música? O que você começou a ouvir logo de cara?
Elisa: Eu comecei ouvindo metal! Comecei ouvindo Iron Maiden.  Meu pai me deu um vinil, ai fui pra Bon Jovi velho, Metallica, Guns´n Roses, Slayer, Black Sabbath, bem metal, metal, metal...

TV Rock: E no punk?
Elisa: O punk começou no começo dos anos 90 com Green Day, Offspring. Eu já tinha ouvido Dead Kennedys, Sex Pistols só que eu não tinha dado muita bola. Ai com aquela martelação no rádio de Green Day e Offspring que eu comecei a buscar mais coisa de punk. Eu passei por Metal-Grunge-Punk nessa ordem. Ai durante o Grunge eu descobri o Hole por causa do Nirvana e descobri o Bikini Kill porque a Courtney Love bateu na Kathleen Hanna. Foi isso que aconteceu

TV Rock: Qual foi a primeira guitarra que você ganhou?
Elisa: Uma Gianinni Strato marrom com o braço bege

TV Rock: E como você e a Isabella começaram a tocar? Começaram vocês duas pra depois formar o Dominatrix, né?
Elisa: Eu pedi a guitarra pro meu pai e ele não queria me dar porque ele achava que era coisa de homem. Ai eu fiquei enchendo o saco dele porque ele falava que era moderno e cabeça aberta daí eu falava 'É, você fala que é moderno, mas faz isso...' (eu sempre usei isso contra ele).
Daí ele acabou me dando de natal quando eu tinha 11 anos. Daí eu não sabia tocar, e não sabia que dava pra ter aula, eu achava que as pessoas já nasciam sabendo, com o dom. Daí eu descobri na banca de jornal que tinha aquelas revistinhas com as cifras horríveis com a letra em inglês ruim. E daí eu comecei a comprar e aprender na época do L7. Aí eu queria fazer uma banda e ninguém queria fazer uma banda comigo, eu achava impossível. Então meu irmão comprou um baixo. Ai eu fiquei pedindo pra Isabella: 'Isabella toca o baixo, que ai eu toco guitarra e a gente pode ter uma banda.'
E ela falava 'Não sei tocar' e eu falei 'Você vai aprender sozinha porque eu aprendi, vai tocando que você consegue.' E daí a gente foi tocando uns covers de Operation Ivy, L7, Hole, ai começamos a fazer músicas próprias depois de alguns meses e a gente começou a fazer muita música. Era uma música por semana. Era muito fácil fazer musica eu e ela juntas e ai a gente foi procurando uma mina baterista pra fazer uma banda e a gente não achava que ia conseguir encontrar. A gente colocou um anúncio na Rock Brigade procurando baterista para uma banda de punk rock feminista.
Ligou uma guitarrista menina e a gente falou 'Ah não, a gente ta precisando de baterista.' E então a gente pôs um anúncio numa escola de música procurando uma baterista e ai ligou um menino guitarrista só que a gente achou o menino tão legal chamado Diego. Ele tinha um gosto musical parecido com o nosso, e a gente começou a tocar juntos, tirar covers juntos... E um dia ele falou 'Na minha escola vai ter uma apresentação de alunos e vai ter umas bateristas meninas lá. Vocês querem assistir?' ai a gente já falou 'Ah, então já vamos levar umas fitas gravadas com as coisas que a gente gosta que a gente já dê pra menina e a gente já ensaia.'

TV Rock: Quantos anos vocês tinham aí?
Elisa: A Isabella tinha treze eu tinha 14. Ai a gente foi, viu as meninas tocarem e a gente viu uma boa que era a Estela. Ai a gente falou 'Estela, a gente é fulana, a gente quer fazer uma banda. E você ta a fim de tirar um som?' Ela falou 'Beleza'. Eu fiz uma piada meio grossa ela virou e falou 'Gostei de você.'
A gente marcou um primeiro ensaio e começamos a tocar. Até ai não tinha nome e a gente só tocava covers. E tinham umas 3 músicas próprias que a gente gostava de tocar com eles. Que são as três músicas que gravamos na primeira demo. E daí eu a Estela e a Isabella começamos a ir pra essa onda mais bandas femininas tipo Bikini Kill e o menino queria ter uma banda pra tocar NOFX. Então não foi nem questão de gênero que atrapalhou, entendeu? Tipo “vai tirar ele porque ele é homem'

TV Rock: Foi pelo gosto?
Elisa: É, foi uma mistura de tudo, assim: A gente ficou 'Pô, a gente quer fazer uma banda de mina e você não ta a fim de tocar som de mina.' Em larga escala, você pode considerar que ele saiu da banda porque a gente queria uma banda feminina, sim. Só que talvez ele pudesse ter continuado, mas não sei. É uma época da vida que a gente não consegue entender o que aconteceu. Ai seguiu as três juntas, a gente procurou uma guitarrista...

TV ROCK: Eu ouvi que Die Die foi escrita pra ele:
Elisa: (risos) Não! Mentira! Qual que a gente escreveu pra ele? A gente escreveu uma pra ele! Ele paga um pau que ele foi do Dominatrix, já. Ele acha legal. Ele entende pra caralho hoje, acha mó histórico que ele tocou com a gente. Não lembro, mas numa das músicas a gente deu uma xingada nele porque quando ele saiu da banda. Foi muito tenso, ele não achou engraçado.
'Vocês tão me tirando da banda porque eu tenho pinto!'
'Não é isso. É que você quer fazer um tipo de música que a gente não quer fazer!'
'Tá, mas vocês querem fazer uma banda só de menina!'
'Tá, a gente quer fazer, mas a gente quer tocar com você também, a gente pode ter várias bandas!'
E meio que a gente quebrou uma amizade, mas depois a gente voltou a se falar.
Ah e teve uma mina antes da Estela...foi a Tabata! A gente fez um ensaio com ela e não deu certo.

TV Rock: Como que foi o primeiro show de vocês?
Elisa: A gente queria tocar em algum lugar e a gente não sabia como fazia show. Tínhamos 14 anos e não sabíamos onde estava o circuito, não sabíamos nada. A gente sabia da Galeria do Rock que é onde a gente ia comprar pulseira, essas coisas horríveis (risos) e cd das bandas. E a nossa baterista conhecia alguns músicos e alguém falou pra ela que dava pra fazer um show num tal lugar chamado 'Vitória Pub' ai ela falou que 'tinha esse lugar que fazia show com bandas', olha a inocência! E aí a gente foi até o lugar, marcamos o show e a gente queria fazer um festival de bandas femininas, mas a gente não sabia como achar essas bandas, não sabíamos se existia.
A gente foi pra galeria do rock, as minas pequenininhas, perguntar pros donos das lojas, a gente parou na Maze de skate, que o Nene Altro do Dance of Days era vendedor, na época ele era do Personal Choice, A gente olhou aquele cara de cabelo raspado, X na mão e falo 'Oi, a gente ta montando um festival de bandas femininas, você conhece alguma banda de menina? ele falou 'Olha tem essa banda que é o 'No Violence' que tem uma mina que é vocal,' que era a Silvana que tocou no Lava. Aí a gente pegou o contato dela, e o cara da casa de show fico responsável por achar banda feminina também. Alguém deu um contato, acho que a gente ligou pra Silvana que falou 'Olha tem o No Class que é da Carol de Campinas.' E acabou sendo esse show: Dominatrix, No Violence e No Class, e você pensando hoje em dia, do jeito que a gente montou esse show podia ter saído qualquer coisa: A gente, mais uma banda de metal e outra de pop. Só que justamente foram duas bandas importantíssimas da cena musical da época que foi o No Violence que era importantíssimo pra cena Straight Edge, era uma época que todo mundo andava junto: Straight Edge, com EMO, com pessoal do Indie Rock...

TV Rock: Já existia EMO naquela época?!
Elisa: Existia, mas EMO tinha outro conceito, é outra cena EMO, mas eram os primeiros EMOS, um EMO diferente que o EMO de hoje...
E o No Class foi essa banda que ficamos amigos e foi uma banda importantíssima no Hard Core nacional, do punk rock. E isso foi genial porque a gente fechou a noite...

TV Rock: Vocês fecharam, ainda?
Elisa: É, porque o pessoal tinha que ir embora. Então a gente conheceu um monte de gente no nosso próprio show. E esse show foi o meu primeiro show! Eu nunca tinha ido a nenhum show. Meu primeiro show foi o meu! Foi demais! Foi uma coisa muito profética!

TV Rock: E as pessoas curtiram?
Elisa: Curtiram, porque a gente era muito pequena. A gente tinha tipo 14 anos e a gente tocando essas músicas parecidas que a gente faz hoje. Que é aquele Hard Core Punk, mas com melodia de vocal. Eu e minha irmã cantando aquelas melodias todas, solinho e tal.
As pessoas achavam demais, então foi quando a gente começou a entrar na cena, foi através dessas pessoas. Essas pessoas chamaram a gente pra shows ai começou, entendeu?

TV Rock: Eu ouvi a demo de vocês e as músicas eram muito fodas! Pena que vocês pararam de tocar.
Elisa: É que a Isabella sempre foi uma pessoa que não gostava de tocar coisa velha. Por conta disso a gente ficou com uns shows bem diminuídos. Depois que ela saiu da banda a gente foi aumentando o show um pouco mais. Mas se você ouvir a demo, você não acredita! A voz você percebe que é de pessoa de 13, 14 anos... Mas é muito bem feito.

TV Rock: Você acha que houve uma evolução na mentalidade do público de vocês? Tipo... Começaram a perceber o que a banda queria? Porque no começo, beleza. 'Uhu! Rock 'n' Roll!.' Você está satisfeita com seu público?
Elisa: Então, depende do que você diz que é satisfeito, né? É difícil de colocar isso porque eu estaria fazendo o que eu não gosto que façam comigo. Que falem 'As minas que gostam de Dominatrix são um pau no cu', entendeu? Eu não gosto que façam isso! Tem gente que é 'pau no cu' tem gente que não é! Só assim: Existe um sentimento de festa no show do Dominatrix que às vezes a gente não gosta muito, que só aquela celebração de ficar bêbada, e curtição. Que não é exatamente que a gente pensou que teria que ser só isso. Ao mesmo tempo a gente acha legal que as meninas tenham um lugar pra ir e mesmo vendo as meninas bêbadas cantando as músicas dá certo 'Ai que legal'. É tudo sentimento dúbio. Eu não consigo ter uma opinião fixa a essa questão do público. Ao mesmo tempo em que tem muita gente que nos odeia tem muita mina que faz festival de música, banda feminina, inspiradas na gente! E isso é bom! Tem mina pelo Brasil inteiro que falam 'Eu comecei por causa do Dominatrix' é uma coisa muito legal. Então é difícil eu falar o que aconteceu com a evolução do público porque quando a gente começou, quando teve aquele hype em 97, 98 que bombou o Dominatrix  pra caralho na Europa e tal, o público era tipo misturado, pela cena da época, bastante straight edge, bastante metaleiro, era legal! Mas a gente não pode ser saudosista porque era difícil pra gente aquela época também pra gente falar uma coisa no palco. Hoje eu falo com muito menos medo. E se você assistir vídeo antigo nosso eu falo com um super cuidado “Gente, eu não estou querendo dizer...' hoje eu falo 'Pau no cu!' Porque a gente conquistou um espaço, e eu não preciso ter medo, mas é difícil eu colocar numa categoria: 'Ah será que o que aconteceu com o público do Dominatrix é a coisa mais legal do mundo?' Não sei! O que é importante pra gente é que a gente conseguiu fazer com que algumas meninas se inspirassem a fazer coisas legais pra vida delas. Isso que é importante! O resto eu não tenho mais responsabilidade! Não tenho responsabilidade por uma menina que faz uma comunidade no Orkut dizendo que quer matar homem.

TV Rock: Tipo PCC Feminista?
Elisa: Na verdade eu acho que isso é um perfil fake que um menino inventa porque eu tenho toda uma teoria baseada em 'achismo', mas eu tenho certo radar, eu consigo sentir o que é gente louca e gente com maldade, tentando criar uma loucura pra culpar a gente. Porque acabam me culpando de tudo!

TV Rock: Qual foi a coisa pior que já aconteceu com a banda?
Elisa: Ah de ruim foi o show do Rio de Janeiro. Eu vou contar em detalhes pra você!
Foi no Garage. A gente sentiu um clima estranho porque chegamos lá e só vimos homem. Não porque é ruim só ver homem, mas é que eu me senti estranha. Por algum motivo a divulgação se deu conta em promover uma banda feminina e não colocou banda feminina tocando junto tinha só banda de homem straight edge tocando. A gente já se sentiu meio mau como mulher, meio hostilizada. Tava um clima muito 'macho', não masculino, mas 'macho'. E tinha esse publico que só de olhar a gente via que eles não foram pra curtir a banda, eles foram pra zuar. A gente começou o show e começou uma gritaria. A gente não conseguia fazer o show. Sabe o tipo uma cena que você vê em pastelão que o cara ta tentando falar, mas ficam atacando tomate e ovo? Era tipo isso! Abriu a cortina e antes que a gente conseguisse falar 'Oi, boa noite nós somos o Dominatrix' os caras já começaram: 'Vai toma no cu! Suas vagabundas' a gente tocou uma música parou e falou 'Gente, menos, a gente veio de São Paulo, veio tocar...' e os caras já 'Vai toma no cu! Vaca! Volta pra cozinha!' Aquele xingamento sexista nojento! E era quase o público inteiro! 70% foram pra zuar! Imagina assim: 300 caras mandando a gente tomar no cu. Hoje em dia isso não acontece, se um cara gritar vai 'toma no cu' a gente não precisa nem fazer nada porque os próprios caras em volta dele vão bater nele! Não vão ser nem as minas! E daí a gente foi tocando, um cara tiro o pinto pra fora, fingindo que tava se masturbando! Horrível, aí, um cara virou e gritou 'Tem que estuprar essas minas' ai eu parei tudo e perguntei 'Escuta, quem falo isso daí?' Ninguém respondeu, e eu falei de novo 'Meu, quem falou isso daí, vem aqui pra frente, cara, vamos conversar, de igual pra igual.' Silêncio de novo. E eu falei 'Por favor, eu gostaria muito de que quem falou venha aqui pra frente do palco falar comigo.' Ai, nisso surgiu o cara, ele chegou na frente do palco e falou 'Fui eu, e ai?'
Eu cuspi na cara dele. Mas foi um ato de violência insana meu, que eu não precisava ter feito.
Mas, era um cara bem louco e eu estava com tanto ódio, e eu acho que eu fiz a coisa certa. Por mais que seja uma coisa insana, foi uma atitude punk minha, podre, mas eu estava dando o troco à altura. Não ia ficar assim 'Ora, veja bem, isso é violência contra a mulher...' Meu, naquela hora ninguém ia entender nada de sociologia! Não estava nem aí. Eu nem pensei na hora. Ai acabou! O cara queria subir no palco, puxaram o cara pra trás eu me enfiei no camarim. Eu com medo falei 'Meu a gente tem que sair daqui agora!'. A platéia queria bater na gente, todo mundo se revoltou e um monte de gente no camarim, povo entrevistando a gente pra zine. Eu falei 'Meu, fecha esse camarim porque se esse cara me encontrar ele vai-me quebrar inteira porque uma pirralha cuspiu na cara dele na frente de todo mundo. Ele vai me matar!'. E daí a gente estava lá tentando planejar uma fuga e o cara entrou no camarim, muito louco e eu fiquei gelada... Ele virou pra mim e perguntou 'Cadê a mina que cuspiu na minha cara?' (risos) eu falei 'Não sei'. E os caras falando: 'Ai, vocês vem zuar os caras aqui do Rio, aqui não é sua cidade não, agora agüenta.' e eu falei 'Meu, eu to morrendo de medo, mas eu não me arrependo do que eu fiz! Eu não vou sair com o rabo entre as pernas.' Ai o cara começou a tretar com a Débora, e ela empurrou ele, ai tiraram ele do camarim, a gente foi para outro camarim. E daí a gente foi tentando sair escondida e tinha 30 caras com pau na mão pra bater na gente. Isso é violência sexista. É um resumo de uma história como qualquer outra no Brasil e no mundo inteiro

TV Rock: E a coisa mais legal que aconteceu com o Dominatrix?
Elisa: Ah não dá pra falar a coisa mais legal porque têm muitas...

TV Rock: Então diz algumas.
Elisa: Tem a entrevista que a gente deu pra Punk Planet. A gente foi à primeira banda brasileira a ser entrevistada pela Punk Planet. Entrevista na Maximum Rock´n Roll com a revista pagando um pau pra gente. Três turnês internacionais que a gente não pagou nada.

TV Rock: Foi à turnê que a Débora não conseguiu visto?
Elisa: A Débora não conseguiu visto na turnê americana. Quem tocou pra gente foi a Fernanda e a Beta do Pulso tocou em outra

TV Rock: Deram um motivo do porque ela não podia entrar?
Elisa: Não deram o visto pra ela na primeira vez e não disseram nada. Na segunda disseram que ela tinha que estar no mínimo dois anos na faculdade e no mínimo, não sabe quanto tempo, no emprego dela. Pra mim foi racismo.

TV Rock: Quais são seus cinco álbuns preferidos da história do rock?
Elisa:  O primeiro do Bikini Kill 'The C.D. Version of the Two First Records', 'Captain, My Captain' do Team Dresch, 'Dig me Out' do Sleater-Kinney,
'Bad Reputation' da Joan Jett, e o 'Killers' do Iron Maiden.

TV Rock: Qual foi o show que você mais curtiu assistir na vida?
Elisa: Ai ai ai... Lesbians on Ecstasy... Foi o melhor show, criatividade, presença de placo, a vocalista arregaça. Uma mistura perfeita de política e diversão. Música eletrônica boa, que não é chata. Não é nem 'cabeçuda drogada' nem intelectual.

TV Rock: Qual foi o melhor show do Dominatrix pra você?
Elisa: Teve um show muito bom no Gilman Street que foi lá na Califórnia. Que foi um lugar clássico pra bandas tipo Operation Ivy, NOFX e aqui no Brasil o show de 10 anos do Dominatrix, acho que foi o mais clássico de todos, acho que foi o melhor de todos.

TV Rock: Com foi a gravação dos Split? Tanto do Dance of Days como do Street Bulldogs? Eu sei que com o Dance of Days vocês já tinham uma afinidade, mas e com o Street Bulldogs? Vocês já tinham tocado juntos antes?
Elisa: Então, agente tocava junto, éramos amigos, na verdade a idéia do Split com o Street Bulldogs saiu de um split do Born Against com Screaching Weasel que um tirava música do outro e eu falei 'meu vamos fazer isso' eles tiraram They Cry nossa e nós We Build on Our Way deles. Quando as pessoas pensam no Dominatrix elas só pensam nas coisas que a gente faz com mulheres e não pensam que a gente faz parceria com homem também.

TV Rock: Mas hoje em dia é bem difícil vocês tocarem com bandas de menino...
Elisa: É porque a cena ficou feminina. É que nem aconteceu com o Bikini Kill, sem querer comparar, mas no começo elas tocavam com homem e depois virou uma banda que era importante estar em festivais feministas. Quando a gente sai da cidade ou do estado, que a gente é convidada pra tocar, as pessoas pagam nosso cachê e nossa passagem pra tocar em festivais de garotas porque a cena se desenvolveu. Aqui em São Paulo a gente tenta dar uma misturada, mas acaba ficando preso em show de meninas porque a gente quer apoiar essa cena, mas naquela época tinha bandas femininas legais, mas a gente decidiu fazer o split com o Street porque agente achou que ia dar um contraste legal.

TV Rock: Qual é o seu álbum favorito do Dominatrix?
Elisa: 'Self Delight'. Foi quando eu aprendi a tocar guitarra. Se você ouvir do 'Self Delight' pro Beauville não tem muita evolução musical técnica. No 'Self Delight' entra solos legais, a palhetada mais rápida.

TV Rock: Qual que é a música que você mais gosta de tocar ao vivo?
Elisa: Tocar ou cantar?

TV Rock: Ah, não sei, pra mim é a mesma coisa...
Elisa: Ah não, pra mim são duas realidades. Quando eu só toco guitarra eu sou uma pessoa quando eu toco e canto eu sou outra. As pessoas não sabem, mas eu gosto mais de tocar guitarra do que cantar, eu não sou vocalista, eu sou guitarrista. A Isabella saiu da banda e eu tive que assumir o vocal, mas eu gosto mais de tocar guitarra do que de cantar.
Pra tocar eu gosto de Knowledge porque da pra improvisar bem. Tudo que a Flávia canta eu gosto. Eu gosto de tocar música que tem introdução e ponte longa tipo Pagan Love, porque ela tem introdução longa ai mesmo cantando eu consigo improvisar.

TV Rock: O que você acha da política atual?
Elisa: No Brasil é meio foda porque apesar desse escândalo do mensalão, de corrupção, se você conversar com uma pessoa pobre ela vai falar que conseguiu comer mais no governo do Lula. O que acontece é que todo e qualquer partido que está no poder rouba porque a própria estrutura do poder está viciada e você precisa que alguém faça o trabalho sujo. No caso do Lula foi o José Dirceu, mas sempre tem o cara que negocia as coisas debaixo do pano, faz a sujeira porque Brasília politicamente foi construída assim, o problema foi que o PT sempre teve fama de um partido que não era corrupto e agora eles estão pagando o preço. Mas é uma eleição das mais difíceis de votar justamente porque a gente sabe que o governo Lula deu uma abertura para o movimento feminista, conseguiu fazer mais projetos feministas em alguma escala, isso usando relatos de mulheres feministas com parcerias no governo, o movimento negro a mesma coisa e o movimento GLBT a mesma coisa. As pessoas dizem 'bom, a gente consegue mais coisa com o governo do PT.' É um voto difícil, pois a gente sabe que em algumas escalas da sociedade é melhor que seja o PT, mas com o escândalo que aconteceu fica difícil.

TV Rock: E agora que tem uma mulher concorrendo, o que você acha?
Elisa: Eu sempre achei a Heloisa Helena poderosa, que ela tinha coragem, mas ela é contra a liberação do aborto e isso pra mim não dá... Eu sei que eu nunca vou ficar grávida a não ser que alguém me estupre, mas a legalização do aborto é uma questão muito importante.

TV Rock: Como está a cena underground pra você?
Elisa: No começo dos anos 90 a qualidade musical era melhor, as bandas mais famosas no começo dos anos 90 sonoramente eram melhores. Hoje em dia os shows que bombam no underground eu não gosto! Eu não gosto das bandas EMO. Mas eu acho legal que teve uma proliferação de bandas femininas que nunca teve.

TV Rock: E a cena feminista como está?
Elisa: Eu vejo muita banda feminina, mas eu vejo poucas falando no palco sobre feminismo. Não estou dizendo que tem que fazer isso, mas eu sinto muito à falta das meninas pegarem no microfone que é o ato mais direto de comunicação e dizer 'Gente, aconteceu, isso comigo, não sei se aconteceu com vocês, mas acho que a gente devia fazer isso, e vamos nos organizar...' . A gente sempre reclama disso, falamos 'Pô, gente, vamos falar um público.' Não é por causa de vergonha que a gente não vai falar. Eu conheço vários ativistas com problemas sérios de timidez que nem por isso deixam de se representar. Eu vi uma menina transexual supertímida fazendo um discurso num debate que você via claramente que ela estava passando por um momento difícil de timidez, mas era tão importante comunicar o que ela estava falando que era comovente e aquilo estava mudando o curso da história, então eu acho que as pessoas têm que fazer um esforço pra falar no palco porque é o nosso momento, é quando as pessoas nos ouvem, é o momento que a gente tem para mudar a história e a gente consegue mudar a história! Eu consegui mudar, você consegue mudar, qualquer um consegue mudar!

TV Rock: Vamos falar de aborto. Certa vez eu estava discutindo sobre aborto defendendo a questão já que é o corpo da mulher, o direito que ela tem sobre o corpo dela e a pessoa com quem eu estava discutindo tocou na questão: 'Se o aborto for liberado, muitas mulheres desinformadas podem parar de fazer uso de camisinha, porque pra muitas, camisinha é só um meio anticontraceptivo e não para se prevenir de DST.'
Elisa: Eu gosto de falar minhas opiniões baseadas em fatos reais. Não gosto de ficar 'achando' nada porque eu acho que isso é uma coisa do patriarcado. Pelo que se sabe na história os países que legalizaram o aborto, fizeram um programa durante a legalização de educação. Obviamente os países onde o aborto é legalizado são países de primeiro mundo onde as pessoas têm acesso à informação. O processo de aborto é muito traumático, eu duvido que depois de educada uma mulher opte pelo aborto do que por uma camisinha. Isso é impossível. Obviamente, no Brasil o aborto ainda não se faz por vários motivos: A mulher não tem autonomia sobre o próprio corpo, a sociedade é machista... Enfim, mas mesmo que as pessoas achem que a mulher pode estar se submetendo ao DST, isso é, entrando no plano filosófico, problema da mulher.
Se a sua mulher mesmo informada, mesmo sabendo da camisinha, todos dos métodos anticontraceptivos, se ela optar por usar o aborto como método anticontraceptivo isso é uma opção dela. Supondo que eu sou heterossexual e eu virar pra você agora e dizer 'Eu sei exatamente como evitar uma gravidez, mas eu quero fazer aborto toda vez que eu ficar grávida' o que você vai falar?
'Não pode', 'É errado', 'Você não deveria fazer isso porque Deus não gosta.' O que você vai falar? É autonomia do corpo da mulher! Então quando você cai nessa questão de 'aborto vai virar uma festa do caqui' não! O aborto é muito traumático, eu tenho seis amigas que fizeram aborto de várias idades e de diferentes momentos da minha vida que eu acompanhei. Nenhuma pretende fazer de novo.

TV Rock: Meninos no show. Tem varias lendas bizarras por ai, tipo aquela que um menino foi num show e você mandou espancar o cara. Tem letras tipo No Make Up Tips ('I need no boys') ou My New Gun ('Only for girls').
Elisa: A gente ta imitando o Bikini Kill no 'Double Dare', nessas letras.

TV Rock: Quanto eu conheci o Dominatrix, eu estava no colégio eu ouvi essas músicas, curti muito, mas eu ficava pensando 'Será que eu posso ouvir essas músicas?', 'Será que eu posso ir ao show dessas meninas?', 'Será que eu não to me queimando?'
Elisa: Isso é legal! Dificilmente nessa sociedade um menino ia pensar 'Isso é um território feminino, será que eu posso entrar?' Eles pensam isso mais em cabeleireiros e não em show de punk.

TV Rock: Qual a reação de vocês com os meninos que colam no show? Várias vezes vocês disseram que é um show voltado para as meninas.
Elisa: O que o Dominatrix quer no show é dar um momento de auto-estima pra menina.
Sim: Os shows do Dominatrix são voltados para a auto-estima feminina.
Sim: Meninos são bem-vindos aos shows
Sim: Nós queremos que todo mundo fique junto feliz, só que eu vou falar 'Olá, meninas' porque essa sociedade não faz isso. 90% do público do Dominatrix que consegue um contato com a banda, falam isso pra gente 'Meu, foi o primeiro show que a banda se dirigiu a mim, e não ao meu namorado, obrigada'. Essa é a intenção, não excluir o namorado porque se o namorado for legal ele vai entender que aquele é o momento da mina. É o único momento que às vezes em meses ela vai ser pauta, vai ser o assunto e a gente pode fazer isso juntos, meninos e meninas.

TV Rock: Religião dá treta, a gente sabe, mas você acredita numa força maior?
Elisa: Eu sou uma pessoa que tenho uma espiritualidade muito intensa. Eu sou uma pessoa muito crente, mas em uma coisa que eu inventei! Eu sou meio esquizofrênica então eu vejo uma coisa acontecendo e já acho que é um sinal, mas é uma coisa que eu inventei (risos).
E eu tenho umas profecias. Que nem: no começo do ano eu pensei assim 'Tenho certeza que esse ano eu vou pra gringa de graça.' Daí eu ficava olhando pras árvores, assim meio viajem. Isso começou a acontecer desde 2002. Eu falava pra Isabella 'Isabella, a gente vai fazer turnê na gringa' ela falava 'Nunca, imagina' e acontecia! Isso é legal porque você consegue perceber que você consegue materializar as coisas. Minha mãe falava 'Elisa, já que você acha que tem esse poder, tenta ficar pensando nas coisas que você quer.'

TV Rock: Contra ou a favor da pena de morte?
Elisa: Eu sou contra. Acho que ninguém tem que decidir quem deve morrer. Mesmo se a pessoa matou a outra, estuprou a outra, meu, eu não consigo decidir se a pessoa tem que morrer. Como o estado vai definir quem vai morrer? Essa lei normalmente faz com que negros, pobres morram. Eu conheço meninas que foram estupradas e eu perguntei 'A morte do seu estuprador resolveria o trauma que ele colocou na sua vida.' Claro que não!

TV Rock: O que você diz sobre pornografia? Garotas posando nuas?
Elisa: Então, eu sou uma feminista que no Brasil é atípica porque eu sou a favor da pornografia. Eu gosto de pornografia! Eu acho que ela pode ser libertadora, eu acho que ela pode, de certa maneira, afirmar uma autonomia sobre seu próprio corpo. E eu acho que é maravilhoso quando a pornografia é usada e produzida para mostrar que a mulher pode ter poder sobre seu próprio corpo e pode exercer sua sexualidade plenamente. Existe a pornografia que explora a mulher, mas eu conheço muitas pessoas e muitos filmes de pornografia feminista, que mostra outro lado da sensualidade feminista.
Quando a posar nua, eu não sei, eu fico meio preocupada em dar uma opinião que consiga contemplar todos os casos porque sim, a mulher está fazendo seu corpo de objeto, mas até quando fazer o corpo como objeto é ruim? Porque quando a gente faz sexo com outra pessoa independentemente de gênero, a gente brinca muito com a questão de objetificar, a gente brinca com imagem, com dominação.
A sexualidade é variada então se eu começar a dizer que é errado uma mulher posar nua pra uma revista porque ela estará se tornando um objeto eu vou ir contra alguns conceitos que eu tenho de sexualidade humana. Eu não gosto de ter uma opinião formada em relação a isso, eu acho meio complicado na perspectiva do homem consumir mais do que a da mulher de aparecer na revista. É mais complicada a posição do homem de comprar uma revista para se satisfazer sendo que alguns homens poderiam com um dialogo simples instaurar uma relação sexual mais saudável e não precisar comprar uma Playboy. Porém tem os caras que gostam! Eu gosto de pornografia! Acho legal, estudo isso, gosto de filme, gosto de ver, gosto da história de quem está fazendo, como começaram os filmes, como foi mudando a estética até os dias de hoje. Tem um documentário que se chama “The Naked Feminist” que fala sobre pornografia e feminismo, é muito legal, fica ai uma dica.

TV Rock: Qual foi a frase mais nojenta que você já ouviu
Elisa: Frase mais nojenta? (risos) Ah, pra mim qualquer frase de cunho racista pra mim é nojenta, não consigo pensar em uma especifica.

TV Rock: Ícone do Rock
Elisa: Courtney Love e Kathleen Hanna

TV Rock: Um ícone do feminismo
Elisa: Rose Mary Muraro. Que é brasileira. Ano passado ela foi coroada pelo Lula como Patrona do Feminismo Brasileiro, ela foi à pessoa que instalou o feminismo no Brasil, ela está viva e recentemente ela lançou um livro sobre sexo.

TV Rock: Cinco livros
Elisa: 'I Owe You Nothing', que são entrevistas coletadas do Punk Planet,  'Balada Para as Meninas Perdidas' da Vange Leonel, 'O que é feminismo' da Maria Amélia de Almeida Teles, 'Personas Sexuais' da Camile Paglia, 'Valência' da Michelle Tea.

TV Rock: Cinco filmes
Elisa: 'Cidade das Mulheres', 'The Naked Feminist', 'The Yes Man', 'A Cor Púrpura', 'Viva Viva' da Carol que não está pronto, mas pelo que eu vi do trailer vai ser perfeito.

TV Rock: Projeto do Dominatrix para o futuro?
Elisa: O Dominatrix está começando a fazer músicas novas. Em primeira mão, eu digo que a gente só vai fazer música em português daqui pra frente, é a primeira vez que eu to dizendo isso, mas é verdade, a não ser, que no meio do caminho a gente perceba que está tudo horrível ai a gente volta para o inglês, mas nós estamos conseguindo e se tudo der certo no começo do ano que vem a gente grava um disco novo, se não for disco vai ser um EP. A gente decidiu fazer uma virada intensa, uma coisa que fosse mudar a cara da banda.

TV Rock: DVD, CD ao vivo, clipe novo?
Elisa: O DVD que a gente vai fazer é do show de 10 anos, a gente ta editando ainda. Vai ser o show na íntegra, mas não tem data prevista pro lançamento. E a gente vai lançar uma coletânea em dezembro

TV Rock: Quais são os projetos fora do Dominatrix?
Elisa: Tem a oficina do Consenso que eu faço com a Geisa do Quitéria, uma banda de metal que se chama Fantasmina comigo na guitarra, a Kerby na bateria e a Luiza da MTV no baixo. E a Lesbião Urbana, aonde eu canto e toco violão com letras em português.

TV Rock: Valeu Elisa, como todo fim de entrevista clichê deixa sua mensagem pros seres que lerem!
Elisa: Paz, feminismo, bom senso e cerveja.


fonte:http://www.tvrock.com.br/new09/a.asp?cod=25&nt=nt&codmp=6601

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